domingo, 16 de outubro de 2011

A Suecia e "Os Carlos"


Perdi a conta às vezes em que prometemos a nós mesmos que temos de ter coragem para sair deste Portugalzinho... Eu e o H. repetimos vezes sem conta a possibilidade de voarmos definitivamente rumo à Escandinávia em busca de uma vida melhor.
Visitamos inúmero sites de emprego (sem nunca enviar um CV), visitamos blogs por cá e por lá, para sentir o que seria mudar. Na perspectiva de quem arriscou conhecemos muitas histórias de sucesso..

Fazemos contas de somar e diminuir. Há noites em que depois dos típicos jantares de sardinhas pelos bairros de Lisboa, vimos convencidos que nao vamos ter saudades disto e daquilo. Vimos pacatamente sentarmo-nos do lado de cá e visitar pelo Google as ruas de Estocolmo, Viena de Austria, Suiça, e mais recentemente Canadá..

- O problema é mesmo o frio(digo eu)... Bem, mas há aquecimento e a vida é tão melhor, que nem nos vamos lembrar do calor.(digo eu também)

Não, o problema é esta falta de coragem. Todos os dias encontramos razões para não termos alma de emigrante. Mais recentemente constatámos uma muito grave: Os Carlos; O Paredes e do Carmo.

- Se me põem a tocar os Verdes Anos na Suecia, juro que enfio a cabeça no gelo e grito levem-me para a minha terra! (diz o H) !Isso é que um gajo não aguenta, ou o Homem na Cidade, isso é que um gajo não aguenta...

Keep dreaming!

Mª Roque

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Mª do Céu do R/C

Há mais de uma semana que ninguém sabe da Mª do Ceu do R/C. Os gatos miam, éstá tudo fechado, arrumado. O condomínio foi posto em dia com a D. Fernanda. Portadas e estores fechados. E a dúvida de onde teria ido, ela que nunca saía.

Para mim deixou um rasto a liberdade e é claro que se foi embora desta cidade louca. Conhecia a sua história. Falava de Trás-os-Montes com muito saudosismo. Como ela dizia “Era da terra onde o céu pegava com o chão”, onde o verde intoxicava e onde o R/C era uma porta de entrada e saída para a vida, não para este caixão.

Não fazia parte dos gritos desta vizinhança poluída, destes muros cinzentos que a emparedavam há mais de 15 anos. Deste R/C cinzento, cheio de molas caídas, desejos perdidos. Deste prédio vertiginoso para onde o marido a tinha levado quando casou, cheia de esperanças de um amor que nunca existiu.


Para mim, foi isso mesmo; Apanhou boleia da indemnização da empresa onde esteve 25 anos. Embalou-se no desgosto do ventre estéril que a condenou a apanhar babetes caídos dos estendais alheios toda a vida. Embalou-se até, talvez, no impulso do coração que ainda batia pelo namorado de infância, e partiu.

Consigo vê-la a sorrir. Imagino que apanhou balanço nas cordas da roupa, voou por este rio acima por montes e montanhas até à liberdade. Até aos braços do jovem de 18 anos que a deixou um dia cheia de sonhos. Consigo vê-la a tocar as espigas, a deitar-se naquele verde, como na cama. Até logo Mª do céu, (se não a vir talvez seja bom sinal).

MR
19-09-2011

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Nougat Azul


Agora que já não está entre nós e em que é completamente irreversível este facto, assaltam-me ideias do que podia ter feito melhor. È sempre assim quando se vê alguém partir. E neste caso a apagar-se como uma luz que se vai tornando ténue até que se dilui na escuridão.

Foi assim que vi partir a minha sogra. Uma alma tão boa, que a existir céu, está numa nuvem branca,  rodeada de hortênsias com um gato ao colo, (como na foto em que tinha 17 anos a vida pela frente).

Tantas dores de alma naqueles lindos olhos azuis, tantas loucuras. Foi-se embora sem que pudesse partilhar com ela o melhor de mim. Tenho a nítida sensação que muitas vezes mostrei o meu pior. Não sei se conseguiu ver, no meio do turbilhão que foi a nossa vida nos seus últimos anos, que não sou má pessoa.

 Quando comprava nougats e os roía ao pé dela bem podia tê-los moído numa tigela para que pudesse saboreá-los. É destas pequenas coisas que me lembro por vezes, e é destas memorias que se constrói a palavra IRREVERSIVEL. E é deste IRREVERSIVEL que se fazem os dias piores, para ir aos poucos acordando deste sono profundo em que vivemos nas nossas vidinhas, até ao despertar para as pequenas coisas que podem marcar a nossa vida para melhor.

Dizia sempre o quanto adorava nougats quando era nova e que agora já não os podia comer  por causa dos dentes. Eu continuo a comê-los e lembrar-me sempre como podia ter feio as coisas de outra forma...

Convenço-me que tê-la conhecido contribui para que hoje fosse uma melhor pessoa. Para que pinte a minha vida um pouco mais de Azul todos os dias...

terça-feira, 9 de agosto de 2011

O Lixo


Na empresa, os objectos que já ninguém quer vão para ao pé das pastas no chamado “arquivo morto” no – 4, um local deprimente, tipo cemitério da burocracia que tive oportunidade de conhecer uma vez. É incrível como se guardam papéis sem importância, alguns dossiers ainda com lombadas à máquina. O arquivo é uma área esconsa e abafada onde nada se aproveita. Se ardesse dava uma belíssima fogueira (e apanhava os volvos e os Audis dos directores estacionados no -3).
Recentemente aproveitei um módulo de gavetas que tinha esse destino. Tinha pertencido a uma colega com contrato a termo certo que esteve a substituir gravidas – A Lena.
Tive oportunidade de conhecer a sua história. Pessoa lutadora, que persistiu a ventos e tempestades para conseguir que a empresa a integrasse. Fez bem o trabalho dela, lembro-me da esperança com que fazia cada contacto, com a alegria com que vinha do ginásio à hora de almoço, retemperada e de pensamento positivo. Em 8 meses não teve nada que lhe pudessem apontar. Não foi suficiente o facto de estar quase sozinha no mundo com uma filha, de muitas vezes mostrar uma cansaço e uma tristeza, que nunca era a implorar, mas bem podia ser. Enfim é o que dá não nascer com dois palminhos de cara nem ser filho ou sobrinho de ninguém importante. Um ano antes uma loura de olhos azuis que se tornou mais que filha/protegida de uma directora, ficou… para ela a empresa não estava em crise e provavelmente nunca estará.
 Nas gavetas ficaram algumas coisas. Quando partimos é assim, seja para sair de algum lado, seja para morrer, deixamos coisas para trás; Uns lenços de papel que marcaram os dias mais tristes, bolachas Maria, algumas tralhas de eventos que não quiz… caixas de clipes e agrafos bem arrumadinhos, papéis com notas soltas escritas com a pressa de quem luta e persegue.
Para mim nunca serás lixo, a mim já não me ilude a beleza ou modos de estar. Já palmilhei o suficiente para ver além da capa com que se nasce. E no arquivo morto não há só papeis, há muitas vidas navalhadas, Injustiças e até confissões escondidas entre as pastas e sem absolvição.
No almocinho de despedida que fizeste, disse-te muitas coisas básicas mas acho que não te disse uma coisa fundamental: Tenho a certeza que há sempre um lugar na vida para quem é lutador.

MR

terça-feira, 19 de julho de 2011

Pedro T. Dep Criativo - Despedido II

Quando se despediu de nós, cheio de medo do futuro, tristonho, não houve sequer oportunidade de lhe falar muito ao coração. Não houve espaço para poetizar sobre futuro, dias risonhos, liberdade. Qualquer palavra mais filosófica nestas alturas além de não valer muito, corre o risco de ser mal interpretada e eu não queria passar por insensível. Dei-lhe um abraço e sorrir-lhe apenas, num acto de compaixão e força.

Mas na verdade há um cheiro a liberdade que nos assalta. Uma espécie de futuro promissor nos olhos de quem parte. O Pedro Teixeira do Dep. criativo estava de partida e eu sentia isso mesmo. É muito parecido com o que devem sentir os prisioneiros quando se despedem dos compinchas de cela. Boa Sorte! (leva-me contigo). Nunca somos livres enquanto dependemos do dinheiro ao fim do mês, e quem sai, fica mais pobre mas fica mais  livre. Tinha vontade de lhe dizer: o mundo é teu! Olha a relva tão verde do outro lado do muro?!

É bom estar empregado nestas alturas de despedimentos. É como ter uma celazinha com fotografias da família onde se nos portarmos muito bem somos recompensados. Temos de conviver com outros companheiros de cela, fazermo-nos respeitar para não levar uma navalhada. Mas é bom ter um emprego nestas alturas. (ou uma celazinha onde nos possamos sentar todos os dias).
E quando alguém parte, podemos dizer do alto da janela "enjaulada do conforto monetário": Vai correr tudo bem.

MR

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Lisboa Antiga

Há sempre uma sensação de abandono no que toca ao tema antepassados.
Nunca os conhecemos, de alguns vimos apenas fotografias. Mas sabemos inúmeras histórias; onde viviam, o que faziam.
Há uma espécie de abandono no que toca a quem já morreu sem conhecermos. Deve ser a sensação que terá um filho cujo pai ou mãe partiu para parte incerta e nunca o quis conhecer. Claro que numa versão consideravelmente menos dolorosa.
Sei que tive tio e avós fadistas, primos artistas, antepassados nortenhos que quase consigo tocar quando visito a minha avó e que remontam ao tempo do Viriato naquela zona.
No bairro alto viveram uns quantos, amaram, odiaram, pisaram estas mesmas calçadas que agora piso, noutro tempo, com outros sonhos, outros problemas…
Os pais da minha avó por exemplo tiveram uma casa numa travessa que desço todos os dias. Ainda existe a porta e provavelmente a casa com as mesmas paredes onde a minha avó brincou. Não deixo de pensar nisto todos os dias quando ali passo. Encanta-me imaginar o que fariam, as suas motivações diárias, como nos teríamos dado se nos conhecêssemos.
Enquanto desço a travessa penso na imensidão de uma vida e na loucura da sua finitude, da sua brevidade.
MR

Cadeira de baloiço

A melhor coisa que fiz enquanto preparava a chegada do meu filho, foi ter recuperado a velha cadeira de baloiço onde antes brincava.
E depois é esta delícia, eu, o meu filho encostado ao meu peito, a cidade a entardecer, e o futuro mesmo ali na volta da cadeira. É o amor em todo o seu esplendor numa cadeira de baloiço.
Mª Roque.